Fake news por carta, IA na cidadania: como ética digital pode inspirar questões dos vestibulares 2026
Em 2025, as discussões sobre o uso das inteligências artificiais e o fenômeno das fake news se tornaram ainda mais recorrentes. A expectativa é de que esses...
Em 2025, as discussões sobre o uso das inteligências artificiais e o fenômeno das fake news se tornaram ainda mais recorrentes. A expectativa é de que esses temas tenham um espaço importante nos vestibulares e no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Uma amostra ocorreu na 1ª fase do Vestibular da Unicamp 2026, quando uma das questões pediu que o candidato analisasse a criação de imagens com o uso da IA no “estilo Ghibli”, estúdio de animação japonês, contrapondo arte humana com imitação feita artificialmente de forma eletrônica. 🤖 Segundo professores ouvidos pelo g1, as bancas devem usar o assunto como um "pretexto" para cobrar dos alunos reflexões críticas que devem ir além do campo tecnológico. "Acho que a gente deve esperar pelo menos alguma dificuldade, colocando essa discussão num contexto histórico ou num contexto de sociologia, pensando na modernidade, nos meios de comunicação, no comportamento da massa," afirma o professor de história Victor Rysovas, do Colégio Oficina do Estudante. “É um debate que a gente não precisa necessariamente saber definir o que são IAs, mas entender como as contradições na produção de conhecimento tem gerado a desinformação e a dificuldade da gente identificar o que é verdade ou não”, complementa Isabela Bordignon doutoranda em geografia na Unicamp e professora no cursinho popular Trio. 📚 Esta reportagem compõe o projeto Vestibulou, uma parceria do g1 Campinas com a EPTV para divulgar informações relacionadas aos principais vestibulares e ajudar na preparação dos estudantes. Disciplinas que podem abordar IA e fake news De acordo com Rysovas, IA e fake news são temas que não se limitam a questões de atualidades. Eles podem ser cobrados de formas muito variadas e em diversas disciplinas, o que inclui, por exemplo: 📜 História - por meio de comparação de algum evento atual, a IA e as Fake News podem servir de argumento para resgatar momentos históricos de manipulação de informação, como: As cartas falsas de Arthur Bernardes (1921): uma série de cartas publicadas em jornais brasileiros cuja autoria foi atribuída ao presidente da época, Arthur Bernardes. Elas atacavam ex-presidentes e os militares, inflamando conflitos que quase o tiraram da disputa, além de contribuírem para o cenário que levou à Revolução de 1930. Plano Cohen (1937): um documento forjado que apresentava um suposto plano comunista e que foi utilizado por Getúlio Vargas para justificar a implementação da ditadura do Estado Novo. 👥 Sociologia e filosofia - debate em relação à crise ética e social, podendo abordar comportamento das massas, a formação de bolhas informacionais e o papel da ética diante do uso de ferramentas: O caso da Fabiane Maria de Jesus (assassinada no Guarujá em 2014) ajuda a ilustrar como a desinformação pode levar à brutalidade e discutir o conceito de indústria cultural e senso comum. A ética e a moral na atuação da IA, citando a filosofia de Maquiavel, e questionando se a máquina pode reproduzir preconceitos e vieses sociais. 📰 Linguagens e ética - discussão que se concentra na autoria e subjetividade: A IA pode ser cobrada quanto aos seus padrões estéticos literários ou "impressão digital" nos textos. O debate sobre direitos autorais e a substituição de profissionais da escrita (copywriters, redatores) pela máquina é pertinente. Redação IA e fake news também podem aparecer nas propostas de redação. Segundo, Rysova é nesta parte da prova, presente no Enem e na segunda fase dos principais vestibulares paulistas, que o estudante terá maior espaço para desenvolver discussões mais profundas e significativas. “Eu vejo que um pedido de redação, de reflexão a partir de uma coletânea para esse comportamento dentro das redes sociais da IA é absolutamente pertinente e necessário”, afirma. O professor aponta que há a possibilidade das provas explorarem a conexão entre os assuntos da IA e fake news, e estes podem acontecer principalmente a partir de dois aspectos: o potencial da IA generativa na produção de conteúdo falso e a vigilância e análise de dados. IA generativa: o aluno deve ter em mente que o uso destas ferramentas, como o ChatGPT ou Gemini, abre a possibilidade de gerar um volume “impressionante” de conteúdo por dia com base em simples comandos que podem ser direcionados para a produção de notícias falsas com alta velocidade, lembra o professor. Análise de dados: um caminho menos evidente, mas que também pode car pode cair nas provas, é a capacidade da IA analisar uma imensa quantidade de dados sobre o comportamento dos usuários nas redes sociais. A tecnologia pode escanear fotos, identificar tendências, avaliar a interação do usuário e, assim, alimentá-lo com conteúdo alinhado às crenças próprias, formando as "bolhas" sociais. “Todo mundo que tem um perfil aberto nas diferentes redes sociais pode estar sendo observado por elementos de inteligência artificial [...] acredito que a prova possa trazer uma discussão da vigilância das redes, do uso que as redes sociais tem em relação aos seus dados”, explica. Deste último, surge um assunto derivado, mas de ampla discussão neste ano (e por consequência um grande potencial para aparecer nas provas) que é a regulamentação das redes e a liberdade de expressão. Uma redação que explore a reflexão sobre esse comportamento nas redes sociais seria "absolutamente pertinente e necessário." Preconceitos e soluções IAs como o ChatGPT, Google Gemini e Claude Opus surgiram a partir do conjunto de tudo o que as pessoas escreveram, postaram e deixaram para trás nos últimos 30 anos Getty Images Outro aspecto crítico levantado por Victor é a reprodução de preconceitos por parte das IAs. Como a ferramenta aprende com a linguagem e a cultura, ela pode internalizar e replicar desigualdades e estereótipos como o racismo, machismo, e outros preconceitos. "Se eu estou falando de um grande modelo de linguagem, a linguagem serve para traduzir uma cultura. Então, se ela vai traduzir uma cultura repleta de desigualdades, repleta de preconceitos," questiona o professor. No entanto, um tema de redação possível de ser abordado é o de ir além da crítica e pensar a Inteligência Artificial como solucionadora de problemas, e até arma para combater a disseminação de notícias falsas. 💡 Entenda: na visão dele, a IA pode ser desenvolvida para combater a disseminação de fake news e melhorar a relação do homem com a tecnologia, atuando como uma ferramenta para o bem-estar social. “A gente precisa falar muito da possibilidade da IA como aquilo que combate esses problemas. Numa proposta de intervenção, por exemplo, quais ferramentas a gente poderia desenvolver com a IA para dificultar a atuação da própria IA. [...] Como você usa a tecnologia para melhorar a relação do homem com a tecnologia e ela funcionar não mais como essa sombra que paira sobre a sociedade do século XXI”, questiona. Geopolítica, meio ambiente e cidadania digital Isabela Bordignon destaca que a relação entre tecnologia e cidadania é outro eixo comum das provas da Unicamp e do Enem. Para ela, os vestibulares podem explorar as IAs a partir da produção e geolocalização de dados, analisando contradições entre o avanço tecnológico e o aumento da desinformação. “As provas sempre discutem como as tecnologias impactam a sociedade e as relações humanas e a IA e as fake news estão diretamente ligadas a isso [...] porém, vivemos uma contradição. Nunca produzimos tantos dados e, ao mesmo tempo, enfrentamos tanta dificuldade em distinguir o que é verdade”, explica. Isabela também lembra que a questão pode aparecer em diferentes escalas geográficas, das relações de trabalho ao alto consumo de água nos data centers que estão sendo transferidos para o Sul Global. “Podemos pensar desde os impactos locais, como as relações de trabalho mediadas por aplicativos, até os efeitos globais, como a influência das big techs na geopolítica internacional [...] É uma nova forma de colonialismo tecnológico”, observa. A professora comenta sobre a dependência dos famosos “chats”, no qual se substitui atividades sociais antes feitas coletivamente por uma mediada pelo algoritmo. É algo que gera reflexões intelectuais e têm pautado e até influenciado a geopolítica internacional. “A própria questão dos algoritmos vai indicar como determinadas informações sobre a guerra em Gaza, por exemplo, chega em determinados lugares ou não”, comenta. Sugestões para estudar sem estresse Para aprofundar o repertório, o professor Rysovas sugere livros e filmes que podem ser lidos ou assistidos nos dias que antecedem as provas: O Dilema das Redes (Documentário, 2020): aborda o uso ético da tecnologia e vigilância de dados. O filme entrevista pessoas da indústria de informática e redes sociais, trazendo uma série de alertas, dados e estatísticas. Pessoas de dentro do Google e do Twitter, por exemplo, falam sobre a discussão ética do uso da tecnologia. Matrix (Filme, 1999): o filme discute a capacidade de estar imerso em uma realidade em que já não se sabe mais o que é real e o que não é real, além de abordar a interação homem-máquina. Além de ter uma conexão com Alice no País das Maravilhas. Fahrenheit 451 (Livro, Ray Bradbury, 1953): discute a questão da informação, da base da informação, a origem e como se constrói uma verdade, e por que as pessoas pararam de ler livros e se afastaram da ciência, discutindo inclusive um sistema de crenças e controle. Além destes, comenta sobre três livros da lista obrigatória da Unicamp que podem servir como inspiração: Alice no País das Maravilhas (Lewis Carroll, 1865): linha tênue entre o realizável e o irrealizável, a aproximação com o mundo fantástico. A vida não é útil (Ailton Krenak, 2020): o olhar diferente sobre a existência e o progresso, que pode ser contrastado com o desenvolvimento tecnológico. No seu pescoço (Chimamanda Ngozi Adichie, 2009): ela traz uma discussão muito importante sobre memória, produção de conhecimento, construção de narrativa. VÍDEOS: Tudo sobre Campinas e Região Veja mais notícias sobre a região na página do g1 Campinas.